Modernidade Líquida - Salvador Peres
Está na natureza dos homens catalogar o passado,
questionar o presente e antecipar futuros prováveis. Foi sempre assim e,
presume-se, assim será sempre. Pelo menos enquanto os homens forem as irrequietas
criaturas que conhecemos, esses seres capacitados para pensar, idealistas, curiosos
e sempre prontos para irem em demanda do desconhecido.
É de há muito conhecida a propensão humana para
catalogar tudo o que mexe e o que não mexe. Mesmo o invisível, o não
perceptível ou o apenas vagamente concebível.
Cataloga-se hoje a sociedade dos humanos com o termo “modernidade
líquida”, que foi o conceito encontrado pelo pensador Zygmunt Bauman para caracterizar
a liquidez, a fluidez, a volatilidade, a incerteza e a insegurança dos tempos
que correm. Um tempo de egoísmos levados ao extremo, em que os alicerces que
seguram as instituições ameaçam ruir e despenhar-se numa desordem absoluta. Um tempo de deslaçamento
das relações inter-pessoais, de consumo desenfreado, de desarmonia.
Mas que estranho tempo é este? E será estranho?
Talvez seja estranho para alguns, poucos, que se dão
ao trabalho de continuar a demanda de tentar ler os sinais dos tempos,
perguntando: para onde caminha esta sociedade aparentemente desorientada, caótica
e sem horizontes?
Para os que navegam nessa modernidade líquida, o
tempo está alinhado com o rumo e o rumo não é certo nem errado, é somente o destino
que sopra nas velas e os leva para futuros que não perdem tempo a questionar;
para os que olham do cais e questionam a viagem, ocorre o velho preconceito de
que a modernidade, seja qual for as roupas que traje, sulca águas perigosas rumo
a um iminente naufrágio.
Não há alternativa a esta modernidade, como nunca
houve alternativa a outras modernidades que hoje só são lembradas em compêndios
de história. A uma modernidade, outra modernidade se seguirá. Não será já
líquida. Talvez possa ser gasosa: alguém há-de encontrar o termo adequado.
Há muito que outros pensadores defendem que não há,
nunca houve, nem jamais haverá sociedades perfeitas. Sólidas, líquidas ou
gasosas, serão, enquanto forem, sociedades de homens. Mais egoistas ou
solidárias; menos atreitas à família, ao grupo, aos amigos, à cooperação; ou
fundamentalistas gregárias, apegadas às instituições, amantes da pátria,
tementes a Deus.
Quem sabe o que nos reserva o futuro? Ninguém.
Sabemos apenas que alguém tentará sempre catalogá-lo.
Salvador Peres
(Artigo publicado no Magazine Synapsis Primavera 2018)
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