O meu lenço da rota da seda - Isabel Melo
Em solavanco de ideias aterrámos no
aeroporto
Sempre perscrutando a sensação das
nuvens suspensas
À volta de questões inéditas num
vacilar dos acontecimentos
Que traduziam uma viagem sob o balanço
da existência.
As pessoas eram outras, mas as mesmas
do mundo
Que iam ouvindo e discutindo num
tropel de notícias
Onde augúrios agrestes de vozes da
Europa ecoavam;
Ao sabor de um ritual no tempo de
lendas e história
Pairava um ansiar de certeza, onde só
valia a memória
Sentindo os reflexos irónicos de medos
que arrebatavam.
As explicações do guia transmitiam aos
lugares a inquietude
Que em órbita chegavam aos nossos
telefones e audiovisuais
De um perpassar de saudade do ausente
e uma global atitude
De aflição hirta e anormal dos povos
em quotidiano lívido,
De conhecer este presente, de parar
nestes momentos o rastilho.
A rota da seda desde sempre no meu
imaginário, foi passeada
Não com sentido do verdadeiro amante
do conhecimento e viajada,
Mas com a pressa de Samarkanda e desse
tempo sentir o seu pulsar,
Sem a sensação agora de seda no
coração, mas com todos os sentidos
Levados à idade de uma rota com o
comércio, peste e gentes a cruzar.
De novo no aeroporto, num breve
descolar já com sabor a aterragem
Qual cidadãos impúberes a atravessar
países compassados
Que se sentem em aldeia, agora
globalizada de modo ardente
Pela memória comum, ora perpassando
lonjuras de fadiga, ora de amor
Voltei a observar as nuvens e
pareceram-me continuar suspensas!
Só o meu lenço de seda me trouxe a
suavidade, a necessária na ausência
Para calcorrear a vida dos homens e
dos meus, a minha essência.
Isabel Melo, desde cedo preconiza a cidadania como motor central na sua vida. Licenciada
em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, Advogada, Professora na ESCE,
Jurista, Consultora, Doutoranda em Direito na Universidade Complutense de
Madrid, tendo nessa qualidade escrito artigos sobre Direitos Humanos e Direitos
fundamentais. Sempre conciliou a sua
actividade profissional com a área cultural e social e em termos de participação
na cidadania tem estado ligada a diversas iniciativas, movimentos ou
associações culturais da cidade de Setúbal. Com a
paixão das viagens e da poesia, ajudou algumas associações de poesia a retomar
na cidade o conceito de tertúlia,
enaltecendo os seus poetas e escritores, culminando com algumas colectâneas. Tem levado a poesia às escolas ou outras
instituições locais, bem como através de eventos Solidários. Participou ainda em
conferências várias, bem como em revistas e jornais de âmbito local e regional,
aliando sempre um pouco do seu conhecimento e do saber às vertentes da cultura
que mais a entusiasmam.
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