Manifesto Anti-poesia - João Coelho
Detesto a poesia!
Detesto as
palavras doces e elanguescidas, e detesto os inspirados anseios soprados às
nossas almas desamparadas.
Detesto as
contradições e os segredos, que se revelam arrebatadoramente nas noites sublimes
de lua cheia.
Detesto as estrelas
que dançam e alegremente espalham a sua suavidade serena, destruindo a penumbra
que nos envolve.
Detesto os
olhares ternos que se cruzam, a sua eternidade, e as mãos que se entrelaçam. Detesto
os heróis, fortes e solitários, a sua persistência e a sua coragem, e detesto ainda
a sua inteligência e o facto de quererem ser maiores que a própria vida!
Detesto as
princesas, ardilosas e de beleza inigualável. Detesto os seus tímidos olhos cor
de mel, verdes como bosques profundos, e a sua pele macia como nuvens duma
tarde de verão.
Detesto os
sentimentos de não estar, estando, e ter de partir, sendo que chegou a hora.
Detesto as
despedidas desesperadas e as lágrimas tremelicando no canto do olho tanto como
detesto os rigores cruéis do inverno, e os suaves entardeceres do outono.
Detesto as tardes
vibrantes de alegrias pueris, e os pipilares deslumbrantes das avezinhas que
sobrevoam alegremente os coloridos campos de papoilas.
Detesto o azul
tranquilo do céu, a neblina que invade os campos e ainda mais a nostalgia que
nos submerge.
Detesto detestar,
mas detesto. A mim, e à poesia!
João Coelho
(no décimo mês da crise pandémica do início do séc XXI)
O ESPLENDOR DA ARTE - Secção do blogue Synapsis dedicada a grandes acontecimentos do mundo artístico e literário.
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