Miguel de Castro - Uma voz lírica sempre presente - Fátima Ribeiro de Medeiros
Miguel de
Castro (Valadares, 13.01.1925 – Setúbal, 16.05.2009) tem dois meses na nossa
agenda de evocações, janeiro e maio. Já que ainda não o trouxemos aqui, que tal
fazê-lo hoje? Valadarense por nascimento, chegou a Setúbal aos nove anos e logo
adotou a cidade e foi adotado por ela, que, reconhecida, lhe atribuiu em 2014 a
Medalha de Honra na classe de Cultura.
Apaixonado
pelas mulheres, pelo Sado e pela Arrábida, que não se cansou de cantar, era
sobretudo um amante da vida, de uma boa gargalhada, de uma petiscada com os
amigos. Muitos de nós ainda o recordam entre os cafés Benjamim e Esperança, ou
na Culsete, fazendo gala dos seus dotes poéticos e conversando sobre tudo e
nada. Guardou sempre uma memória afetiva de Sebastião da Gama, que lhe leu a
poesia e o incentivou a persistir na escrita, tendo-o aconselhado a usar um
nome literário, abandonando o de batismo, Jasmim Rodrigues da Silva, o que ele
fez, assinando já na segunda metade da década de 1940, no jornal O
Setubalense, diversos textos poéticos com o pseudónimo que o consagrou.
Privou com poetas como Maria Rosa Colaço, António Osório, David-Mourão
Ferreira, Luís Amaro, Sérgio Só, Manuel Medeiros, entre muitos outros, numa
convivência que ultrapassava o convívio literário. Gostava de dedicar poemas
aos amigos, publicando-os com essas dedicatórias. Grande leitor, o gosto pela
leitura de bons poetas manteve-se até ao fim da vida, lendo os clássicos, os da
sua geração, os novos e os novíssimos. Daí que não seja de estranhar que na
década de 1960 tenha colaborado com o Grupo de Teatro A Ribalta em espetáculos
de poesia, além de ter também participado como ator em duas peças encenadas
pelo Grupo.
A sua obra
poética é marcante. Deixou-nos cinco livros e posteriormente, em 2013, foi
editado De Silêncios e de Sombras, pequena coletânea de inéditos. Outros
continuam fechados em gavetas, à espera de edição. Fruto Verde, o primeiro livro, é de 1950. Seguiu-se-lhe A
Mansarda (1953), após o qual se deixou ler em diferentes publicações
literárias, entre elas a Távola
Redonda, Bandarra, Diário de Lisboa, Artes e Letras. O terceiro título, Terral, é dado à estampa
em 1990, sendo Sinfonia do Cu de
1993. Os Sonetos, de 2003, surge como o seu livro de maior apuramento
formal, onde alguns poemas deixam ver em plenitude a filiação clássica do
género. É deste livro o poema que escolhemos partilhar hoje.
Fátima Ribeiro de Medeiros
Amar a Deus não Sei
Amar a Deus não sei. E amar não temo.
O que temo é saber-me mal amado
E contra o meu amor andar cuidado;
Ou, julgando amar Deus, amar o Demo.
Eu agonizo num amor extremo
Na cruz de uma paixão crucificado…
Amar sem me perder e sem pecado
É quase santidade – e por mim tremo.
Este amor me constrange a liberdade.
Mas não é culpa minha tanto ardor,
Nem a paixão pertence à mocidade.
Eu me confesso amante e pecador!
Quem nunca amou não fale deste amor!
Quem não pecou que guarde a santidade!
Miguel de Castro, Os Sonetos, p. 11
A poesia acontecia em pedaços soltos de papel, folhas amarelecidas das sebentas que sempre o acompanhavam.
ResponderEliminarA Fátima conheceu-o bem e com ele partilhou essa labuta pela palavra exacta, pela pontuação certa, pela difícil simplicidade da beleza conseguida.
Na mestria dos seus textos é impossível não encontrar essa amizade partilhada.
A poesia do Miguel perdurará para além do tempo breve da vida, porque a Poesia simplesmente É.
Foi em Maio
Um abraço
Maria Alice Silva
Que texto incrível da Fátima Ribeiro de Medeiros, que veio mais uma vez valorizar o blog do Synapsis em termos literários e de informação menos conhecida ou até desconhecida.
ResponderEliminarE o post termina na perfeição com um poema do Miguel e um desenho da maria Alice. Parabéns a todos os participantes.