Portugal, Pioneiro do Planeta-Oceano. O Sonho do Pastor. O Anúncio
Portugal,
Pioneiro do Planeta-Oceano
No ano de 1942, em plena II Guerra Mundial, um notável jurista alemão, Carl Schmitt, que, infelizmente, mancharia toda a sua longa vida pelo apoio espúrio ao regime hitleriano, ofereceu à sua filha Anima um profundo ensaio: “Terra e Mar. Breve Reflexão sobre a História Universal” (tradução portuguesa de A. Franco de Sá, Esfera do Caos, 2008). Schmitt segue Ernst Kapp, recordando como a água é o elemento-chave na representação de três grandes épocas da História: um périplo que vai das culturas fluviais, passando pelas culturas talassocráticas, limitadas a mares fechados como o Mediterrâneo, em direcção às culturas oceânicas. Só nestas, o elemento hídrico ganha independência e se pode contrapor verdadeiramente ao elemento terrestre. Foram os Europeus quem compreendeu, aprendeu e soube utilizar a especificidade do Mar. Mas quem de entre os Europeus? Nesta questão decisiva, Carl Schmitt tem dificuldade em separar a dura e linear cronologia histórica, que coloca os Portugueses bem adiante de quaisquer outros europeus, da sua inclinação e verdadeiro entusiasmo pelos Holandeses. Claro que Schmitt não pode ignorar o fenómeno português, mas fá-lo com uma economia de meios e uma restrição factual que dificilmente se justificam. Vejamos, apenas, dois exemplos da clara dificuldade sentida por Schmitt. Por um lado, afirma que as primeiras batalhas navais modernas eram ainda "batalhas terrestres sobre navios" (Landschlacht auf Schiffen). Como exemplo histórico, cita a batalha de Lepanto (1571), onde a manobra da abordagem tinha ainda um papel decisivo. Ora, com um pouco mais de cuidado ou pesquisa, Schmitt poderia ter incluído as inovações militares dos Portugueses, introduzidas nas batalhas navais do Oceano Índico, setenta anos antes de Lepanto, onde pela primeira vez se entende a especificidade do confronto naval e a sua íntima ligação com o uso da artilharia. O primeiro grande tratado sobre combate naval seria, aliás, publicado em 1555, pelo Padre Fernando Oliveira, “A Arte da Guerra no Mar”. Por outro lado, e por oposição à romântica visão dos Holandeses como indómitos caçadores de baleias e magníficos construtores navais, os Portugueses são descritos essencialmente como navegadores de cabotagem. Ora, se assim fosse como explicar o achamento e colonização do Brasil, setenta anos antes dos Ingleses se aventurarem para Sul do Equador?
O aspecto mais interessante aqui em causa, no entanto, para nos aproximarmos dos contornos essenciais da visão que do processo histórico sustenta Carl Schmitt, está associado à delimitação do conceito de 'revolução espacial'. Para o Autor, as navegações dos diferentes povos europeus teriam constituído, numa perspectiva conjugada, uma autêntica herança, cujos plenos beneficiários e continuadores teriam sido os Ingleses e o seu Império. A Inglaterra teria colhido e consumado aquilo que Portugueses, Castelhanos, Holandeses e Franceses tinham semeado: uma verdadeira "revolução espacial". Schmitt define-nos, de forma extensiva, o significado do conceito: "Numa revolução espacial está compreendida mais do que o desembarque numa região até então desconhecida." (Zu einer Raumrevolution gehört mehr als eine Landung in einer bisher unbekannten Gegend.). Nela se integram os mais diversos domínios e facetas da existência humana, como foi o caso da revolução marítima dos séculos XVI e XVII, onde essa amplitude se tornou plenamente visível. A revolução espacial, pela qual os Europeus conduziram a história universal da Terra ao Mar, integrou no seu complexo curso as mudanças técnicas e as mudanças espirituais, afectou as formas de guerrear, mas também as concepções de direito. Não se limitou a permitir uma troca no lugar hegemónico ocupado por este ou aquele Estado, afectou a própria noção de Estado e de hegemonia. Em todas essas metamorfoses - onde a coragem, a ambição e a violência se combinam - se forjou o mundo moderno. Nessa forja trágica, o pequeno povo português desempenhou um papel pioneiro, grandioso e inconfundível.
Viriato Soromenho-Marques
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O Sonho do Pastor
O
senhor José foi moleiro num daqueles belos e ativos moinhos da Serra do Louro,
próximo da Quinta do Anjo. Era também pastor nas horas vagas…
Conheci
o senhor José quando era adolescente, uma vez que o meu pai tinha uma casa de
quinta aí por essas paragens e eu gostava particularmente de descobrir a serra
e, portanto, por lá parava muito. O senhor José, claro está, já faleceu há
muito e com ele terminou a geração de moleiros que utilizarão aqueles velhos e
belos moinhos da serra. As silhuetas dos moinhos na serra ainda por lá andam...
A
função de pastor também há muito tempo que se deixou de ver por aquelas bandas.
A ovelha da raça bordaleira era a ovelha mais adaptada e tradicional da serra e
que contribuía na totalidade para o excelente queijo de Azeitão, que se diga,
já na altura, era praticamente todo feito na Quinta do Anjo, com as suas
múltiplas queijarias que abundavam ainda por esse tempo, na década de 70 do século
XX. Aliás, as ovelhas e as queijarias desapareceram da velha Quinta do Anjo, o
que não deixa de ser curioso por complementarmente ser inverso à quantidade
crescente de queijo de Azeitão que se vende nos dias de hoje nos supermercados
e hipers da região… vá-se lá perceber este mistério…
Ora,
o senhor José levava, enquanto pastor, as ovelhas pelos caminhos e veredas
existentes entre a Quinta do Anjo e o seu moinho na Serra, começando pelo caminho
de terra do anterior matadouro, estrada dos Canórios, passando a casa da vizinha
Vitorina, subindo junto à vizinha Claudina (mãe da Vitorina), passando pelo
Orlando, pela mina de água dos Fortuna, com as suas laranjeiras, até atingir a
cumeada da Serra do Louro e dos seus belos e expostos calcários, brechas e fósseis
de ostras que abundavam e abundam por lá.
Eu,
adolescente e cheio de vontade de explorar os recantos da serra (até uma marca
popular do terramoto de 1755 encontrei por lá), bem me oferecia para acompanhar
o senhor José à serra, até porque do alto da serra se vislumbravam as vistas mais
espetaculares que conhecia, interligando o Sado, o estuário, a serra de S. Luís
e da Arrábida, a costa de Troia e, a norte, todo o estuário do Tejo, Lisboa,
serra de Sintra… Enfim, já era um prazer ter tempo numa altura em que os
estudos e o tempo começavam a apertar.
Ora,
num desses dias, o senhor José contou-me uma história passada com ele, enquanto
as ovelhas das gentes da Quinta do Anjo pastoreavam pela serra e o velho moinho
moia as suas farinhas. Se ainda bem me recordo, o que ele me contou foi o
seguinte:
“Estava
eu calmamente a comer uma bucha com queijo que tinha trazido, quando sem
querer, bati numa ostra gigante, daquelas muitas que encontro nos meus passeios
e trabalhos pela serra. As ostras que abundam pela serra, diz quem sabe, foram
comidas pelos nossos antepassados que as apanhavam na serra, pois cresciam
curiosamente e abundantemente em ambiente seco e apareciam vigorosas e
apetitosas sempre que chovia e a água escorria junto aos carrascos, funchos e
outras sempre verdes vegetações da serra. Já o meu avo me dizia que, com uma
bela brasa, uma chouricinha, um trago de vinho do Simões e era instantaneamente
levado até ao fundo do mar. Coisa curiosa, pois estas ostras são de ambiente
seco e como que desabrocham com a chuva... O que é facto é que os nossos
antepassados as comeram todas e, hoje, quando ando pela serra, só as encontro secas
e com cascas abertas. Uma pena, pois também gostaria de as comer.
Bom,
mas dizia eu que bati numa dessas cascas que abundam pela serra e o que é facto
é que, instantaneamente, fui também parar ao fundo do mar. Assim, num fechar de
olhos! Coisa espantosa, pois nem sei nadar e só fui uma vez à praia de Vila
Maria, ao lado da Cachofarra, em Setúbal. Mas enfim, lá estava eu, no fundo do
mar.
E
não é que as minhas ovelhas estavam comigo! Pois estavam, assim como outros
bichos e peixes esquisitos que faziam questão que eu os pastoreasse. E lá
estava eu entretido no fundo do mar, a evitar os polvos, lulas e outros animais
estranhos que por lá andavam, e que não se deixam domesticar, quando umas meninas
bonitas, mas com rabo de peixe (não sei se lhes assentavam bem… eu acho que
não) começaram a nadar à minha volta. Sereias! disse-me o Jaime no café no
outro dia, quando eu lhe contei o que se tinha passado comigo.
Foi
uma alegria, mas eu acho que senti perigo, pois elas não me largavam e eu tinha
de as afugentar, assim como a uma raposa quando lhe cheira a galinha.
As
cores também eram todas muito estranhas, como se o sol existisse lá em cima,
mas apenas algumas cores viajassem comigo na água. Mas olha, foi muito lindo. Só,
como começou, também acabou. Penso que tem a ver com magia que a casca da ostra
me transmitiu, sem eu me aperceber. Sim, que as ostras, quando estão fechadas
guardam muitos segredos e até perolas. Pelo menos as da Serra da Louro tinham,
disse-me o meu avô, que ainda chegou a apanhar algumas.
Bom,
mas dizia eu que tudo desapareceu de repente e lá me encontrei de novo no meu
moinho, assim como as minhas ovelhas descansadinhas a pastar. Só que dantes
vinha moer uma vez por semana e agora venho o mais possível à serra para ver se
me volta a acontecer. A ti nunca te aconteceu?”
Ora,
eu, sem saber o que lhe dizer, apenas referi que não, mas que sabia que as
ostras da Serra do Louro tinham esse efeito, e garanti-lhe que também tinha
ouvido que tinham esse efeito, mas apenas em pessoas muito especiais e desde
que fossem pastores ou moleiros, pois com engenheiros ou doutores as sereias e
os peixes não queriam nada...
Uma
coisa é certa, com o desaparecimento da profissão de moleiros e pastores na
serra deixou-se de se ouvir falar nisto tudo… o que não deixa de ser uma pena,
pois as ostras ainda lá estão e, de vez em quando, também chove.
Eduardo
Carqueijeiro
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-
Dá-me Licença?
-
Faça favor.
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Venho por causa dos Psicotécnicos.
-
Dos Psicotécnicos? Quais Psicotécnicos?
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Quais Psicotécnicos? Ora, os do anúncio!
-
Ah!, do anúncio para Troglodita!
-
Não, esse não me interessa. Vinha candidatar-me a Barbitúrico.
-
Lamento, mas esse foi já ocupado por um tal de Olives. Agora, só mesmo para
Troglodita.
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Seja, vamos a isso.
-
Pois bem. Vai, antes de mais, responder-me a um pequeno questionário oral.
-
Mas… então e os Psicotécnicos?
-
Ficam para depois. Diga-me uma coisa: você gosta de favas?
-
De favas? Mas que raio têm as favas a ver com o anúncio?
-
Nada, nada… foi só para ver a sua reacção. E de Pitágoras; gosta de Pitágoras?
-
Oiça, não estou aqui para brincadeiras!
-
O quê? Insinua que sou um tratante?
-
Calma. Eu não disse isso. Apenas frisei que o senhor me parecia um místico.
-
Conhece-os, então…
-
Quem?
-
Os místicos!
-
Então, não conheço! Foram eles que me falaram do anúncio.
-
Como é que estão eles de saúde? Quero dizer: como é que vai a saúde deles?
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Nada mal. Quero dizer: normalmente.
-
Esses filhos da mãe são eternos. Quero dizer: vivem muito.
-
Talvez mais que a conta. Quero dizer: demasiado.
-
E de anjos? Você gosta de anjinhos?
-
O senhor está a portar-se como um tratante.
-
E que são os místicos, se não uns tratantes?
-
Pertence, então, à família? Quero dizer: mistifica também?
-
Não perco de vista as raízes. Quero dizer: as tradições.
-
O quê, as místicas tradições que deram brado nas húmidas cercanias de
Torneirastrip? Quero dizer: nos campos verdejantes de Triptorn?
-
De anjos! Perguntei-lhe de gostava de anjinhos. O senhor corre o risco de não
ficar aprovado para o lugar.
-
Perdão! Quero dizer: desculpe. É que preciso muito do emprego.
-
O que o senhor precisava era que lhe esfregassem as nádegas com contraplacado.
Costuma lavar-se? Quero dizer: tomar banho?
-
Todos os dias.
-
O quê! Toma-me por um aracnídeo? Quantas pernas julga o senhor que eu tenho?
-
Não as contei. Quero dizer: não sei. Mas que tomo todos os dias, lá isso tomo.
-
De anjos! Arre! Perguntei-lhe por anjinhos. Está-se mesmo a ver que vai
chumbar.
-
Mas, então, e o banho?
-
O banho? Qual banho? Onde é que já se viu anjos tomarem banho? Afinal, que raio
veio você cá fazer? Ora, diga-me: é de cá?
-
Já lhe disse: sou de Torneirastrip.
-
E que vem um paspalhão de Torneirastrip procurar em Sebodeboi? Fique sabendo
que aqui safa-se muito mal.
-
A mim, o que me disseram, foi que Sebodeboi cresceu muito. É já uma clara
percepção. Quero dizer: uma palpável certeza. Tanto assim, que trabalho não
faltaria.
-
Pois é… você não gosta mesmo de anjos. É pena.
-
A mim, o que me convinha, era o lugar de Barbitúrico.
-
Mas se já lhe disse que um tal de Olives o ocupou! Oiça cá: você gosta de
coisas negras. Quero dizer: coisas escuras?
-
A escuridão sempre me assustou. Prefiro coisas claras. Quero dizer:
transparentes.
-
Uma besta! É isso que você é: uma besta! Queria você concorrer para
Barbitúrico. Seria uma hecatombe. Quero dizer: um desastre.
-
Bem me queria parecer que o senhor não era um místico. Afigura-se-me claramente
um chato. Quero dizer: uma peste.
-
De anjos! Perguntei-lhe se gostava de anjinhos. Oiça, meu caro, você precisa
tratar-se contra a malfadada doença de Torneirastrip: a maldita sarna. Sou eu
quem lho garante: vai ser uma raposa. Quer dizer: um chumbo!
-
Não pense que me assusta. O inferno não é já ali ao virar da esquina. Tão-pouco
é aqui. Além disso, deixe-me dizer-lhe que nunca acreditei em infernos, em todo
esse fogo e tudo o mais. Tretas!
-Acha-se,
então, um herói, hem? Vai perder esse pio quando for admitido, olá se vai! Em
Sebodeboi, as claras percepções diluem-se num milhão de bocejos. Ao meio-dia e
meia, é ver os sebodeboienses, resignados, a digerir os restos das percepções da
véspera.
-
Nunca me resignarei. O meu amanhã será repleto de iguarias orientais.
Bailarinas dançarão suspensas dos acordes cavos duma balalaika a que tivessem
roubado o poder sublime das oitavas. Acredito nesse amanhã.
-
Oiça, não queremos poetas em Sebodeboi: queremos Trogloditas. Em Sebodeboi não
há amanhãs, nem iguarias orientais, nem bailarinas. As claras
percepções são ditadas pelo tic-tac do relógio e os anjos são empalhados. Quer
dizer: não são anjinhos, são palha.
-
A mim, o que me interessa, são as excursões diárias na boca, passando pelo
canal de deglutição até ao conforto do estômago. E se tiver muita fome, comerei
palha. Mesmo se a palha for um anjo.
-
E de coisas? Será que gosta de coisas? Sei lá, do céu, por exemplo.
-
Já lhe disse que não acredito em infernos. E em céus ainda menos Além do mais, se não posso ficar com o lugar de Barbitúrico, o melhor é pôr-me a andar. Faz-se tarde em
Torneirastrip.
- Faz muito bem. Foi pena o tal de Olives ter ficado com o lugar. Boas entradas no ano que aí vem. Passe bem em Torneirastrip.
Salvador
Peres
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Coordenação Editorial de Salvador Peres e José Alex Gandum
Textos de Eduardo Carqueijeiro, José Alex Gandum, Salvador Peres e Viriato Soromenho-Marques
Imagens Eduardo Carqueijeiro e José Alex Gandum
Edição de Salvador Peres
Embora esta não seja a melhor altura do ano para os neurónios dos
synapsianos, seus amigos e seguidores se imiscuírem com as matemáticas,
façamos um pequeno exercício com os números que compõem o ano que aí vem, 2026.
Pois bem: 2+0+2+6 é igual a 10, que noves fora dá 1... pois, que 2026 seja um
ANO 1 de projectos, novos, continuados ou renascidos. Que 2026 seja de novo um
ANO 1 de subir Serras, atalhar caminhos, compor melodias, dedilhar
guitarras, cantar poesias, debitar palavras, dançar compassos, fotografar
pinturas ou pintar fotografias. Que 2026 seja sinónimo de Pazes, Alegrias,
Sorrisos, Abraços... e que todos os desejos caibam em todos os Sonhos e em
todos os Espaços. E o blog SyNAPSIS, apesar da concorrência de Redes Sociais mais imediatas, vai mantendo uma regularidade semanal, muito graças aos seus leitores, aos quais muito agradecemos e fazer cada vez melhor prometemos (tentaremos, pronto!).
José Alex Gandum
BOM ANO DE 2026 PARA TODOS SÃO OS VOTOS DO SyNAPSIS




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