E, de repente... pensar no futuro - João Reis Ribeiro
E, de
repente... pensar no futuro
E, de repente... ela abateu-se sobre nós. Num tempo em que todos
acreditávamos que estaríamos defendidos de pestes, eis que, vinda do lado
nascente, sem se anunciar, paulatinamente, ela surgiu, a pandemia, criando
desequilíbrios, morte, apreensão, mudanças. Arrastados, transformámos o nosso
estar, o nosso olhar, o nosso sentir, a nossa linguagem. E agarrámo-nos ao
sonho de que “tudo vai ficar bem”. Mas, no fundo, o medo acompanha-nos. Isso, o
medo. É novidade para nós mas não para a Humanidade, que já conhece narrações
como a de Boccaccio (em Florença) ou a de Camus (em Oran)...
Há uns anos, noutra crise, essa de cariz económico, Rui Zink
escreveu um texto notável sobre o nosso sentir, “A instalação do medo”
(Teodolito, 2012), referindo: “A
‘crise’ é sempre ‘económica’. As ‘reformas’ são sempre ‘estruturais’. O
‘futuro’ é sempre ‘melhor’. Ou ‘para os nossos filhos’. As ‘medidas’ são sempre
‘necessárias’. Se não fossem necessárias não seriam medidas. Não há
alternativa. (…) Os outros fazem política. Nós não fazemos política. A nossa
política é a virtude. A nossa política é o trabalho. A nossa política é o
medo.” É este medo que nos leva a idealizar que, no futuro, “tudo vai ficar
bem”. Assim como quem diz que, por agora, não sabemos o que pode acontecer.
Assim como quem diz que esse sonho aniquila o presente sofrido, angustiado.
Assim como também escreveu Afonso Cruz nesse romance curioso intitulado “Jesus
Cristo bebia cerveja” (2012): “Conhecer o futuro dá cabo do presente.”
Contudo, conseguimos equilibrar a dose de angústia e de curiosidade, de
realização e de idealização, neste oscilar entre tempos, através de algumas
saídas que preenchem o nosso quotidiano, pois, “embora nos pese toda a
indefinição ou os maus prognósticos, conservamos em relação ao futuro uma
expectativa que nunca é completamente fechada. Quem sabe? – insistimos nós.”
Quem isto escreveu foi José Tolentino Mendonça numa crónica depois reunida no
livro “Que coisa são as nuvens” (Expresso, 2015). O “quem sabe?” é a frincha
por onde almejamos que o futuro seja a realidade que agora imaginamos, pelo
menos um esgar dessa imaginação...
Daí que, verdade lapaliciana, vale a pena acreditar no futuro.
Sobretudo porque sabemos que este presente a que nos habituámos e que temos
continuamente feito tem tido muito do que o futuro vai ter e tem tido falta de
coisas que o futuro vai trazer. As primeiríssimas questões estarão relacionadas
com um diferente olhar sobre nós e sobre o outro e sobre a maneira como nos
integramos no mundo e o transformamos. E estas serão questões de vida, que
permitirão transformar o conflito em coisas positivas. Como pôs
Baptista-Bastos, em “As bicicletas em Setembro” (2007), “todos os dias
constituem o abismo quotidiano do futuro.”
O presente, que todos estamos a entender como um tempo de
aprendizagem e desafio nunca experimentado (porque nunca passámos por isto,
apesar de os nossos antepassados já o terem sofrido), tem de nos dar pistas
para o que há a vir. Somos importantes, muito importantes, num espaço
partilhado que nos permite sentir, respirar, trabalhar, viver... A nossa “casa
comum”, como tão bem o definiu o Papa Francisco. Se há lição para o futuro é a
deste questionar que nos temos de fazer quanto ao nosso contributo para o
destino desta “casa” que é o espaço da Humanidade, mesmo que isso tenha de
passar por uma outra visão do que seja o nosso “bem-estar”, absolutamente
necessário, mas diferente, outro. Um futuro consentâneo connosco. E seja-me
permitido usar o humor de António Manuel Ribeiro, o músico que, em “Todas as
faces de um rosto” (2002), escreveu, a propósito das intenções para o devir e
por causa de uma situação totalmente diversa: “Meu
Deus, porque me hão de perguntar, no fim de cada entrevista, quais os meus
planos para o futuro? Haverá, porventura, planos para o passado? E se o novo
disco saiu agora que me interessa planear já outro futuro? Que cartilha é esta
onde todos foram beber a arte de entrevistar? Planos para o futuro? Olhe,
continuar a respirar, mudar as cordas da guitarra e brincar com o meu cão.
Chega?”
Simples? Não, complexo. Mas o desafio passa por esta
selecção sobre o que é essencial para que o humano o seja.
João Reis Ribeiro, membro do Synapsis
(artigo publicado no Magazine Synapsis Primavera 2020)
(artigo publicado no Magazine Synapsis Primavera 2020)
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