O Planeta: o que muda nesta crise
Em
abril de 1987, a Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento das Nações
Unidas, também conhecida por Comissão Brundtland dado que a sua coordenação foi
assumida pela então Primeira-ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland,
publicava um relatório decisivo e inspirador para a humanidade intitulado “O
Nosso Futuro Comum” que seria uma das bases para a grande conferência do Rio de
Janeiro em 1992 (a ECO/92) onde viria a ser aprovada a denominada Agenda 21.
Esta agenda viria a influenciar e a perspetivar de forma decisiva o nosso olhar
sobre o que é e como implementar uma sociedade promotora de um desenvolvimento
sustentável. Mais tarde, em 2015, Brundtland viria a ter um papel muito ativo
na definição e aprovação dos objetivos das Nações Unidas para o desenvolvimento
sustentável, a que está associada a Agenda 2030. Brundtland teve um papel
decisivo num outro domínio específico que se interliga com as suas preocupações
ambientais – formou-se como médica de saúde pública e viria a ser a
Diretora-Geral da Organização Mundial de Saúde entre 1998 e 2003.
Nesta
altura em que as preocupações de saúde associadas às consequências da pandemia
de covid-19 marcam a agenda mundial, ela e os diversos documentos inovadores
que coordenou e produziu à escala internacional podem e devem ser uma fonte de
inspiração na interligação com o ambiente e desenvolvimento.
Diversas
organizações à escala mundial, individual ou coletivamente, têm vindo a alertar
para a necessidade de repensarmos a forma como lidamos como interagimos com o
planeta. Retomando este espírito de reflexão, a ZERO criou um documento que
lança um olhar integrado e de longo prazo sobre a forma como podemos e devemos
criar e potenciar uma nova realidade que nos proteja de crises futuras que já
se avizinham e que serão inevitáveis, focando-nos no bem-estar das pessoas e no
estabelecimento de uma relação de equilíbrio e respeito pelos limites do
planeta. Chamámos-lhe, inspirados por Brundtland, “O Nosso NOVO Futuro Comum”.
Divulgámo-lo no 50º aniversário do Dia da Terra, 22 de abril, e está disponível
na página internet da associação.
Temos
efetivamente pela frente um vasto conjunto de oportunidades. A aposta numa
economia de base mais local e nacional pode ajudar em momentos de crise como o
presente, onde o acesso aos recursos necessários pode ser facilitado (por
exemplo, as empresas que conseguem produzir em Portugal o material necessário
para a área da saúde; o abastecimento agrícola de base local ou regional; a
economia circular, com a possibilidade de reparação, da reutilização como
promotores de emprego local e regional). Devemos refletir sobre o que é
realmente essencial no sentido de reduzir os níveis de consumo e aumentar a
eficiência no uso dos recursos no futuro. O tecido empresarial deve desenvolver
uma capacidade de adaptação a novas realidades emergentes e reforço das
sinergias universidades/empresas no sentido de serem encontradas soluções
criativas para problemas do país. É fundamental também potenciarmos a criação
de emprego a nível local e regional aproveitando as oportunidades decorrentes
da aposta em áreas como a promoção de uma economia circular (reutilização,
reciclagem de resíduos), da aposta na reabilitação das cidades e vilas no
sentido de melhorar as condições de vida das famílias mais vulneráveis
(aproveitamento de energias renováveis, eficiência energética, conforto
térmico), numa agricultura de múltiplos outputs de base local e regional
assente em circuitos curtos de distribuição.
Como
referido anteriormente, devemos preparar a sociedade e a economia para outras
crises fundamentais como é a climática e a ambiental. Esta experiência atual
permite compreender as graves consequências que podem resultar da impreparação
para enfrentar os riscos que se colocam à sociedade e à economia. Não agir sair-nos-á
muito mais caro do que agir atempadamente assegurando uma transição justa.
Aplicar estes ensinamentos à gestão de outras crises que temos em mãos será
muito benéfico para a sociedade.
Muitas
empresas, entidades, trabalhadores estão a descobrir o potencial das reuniões
virtuais e do teletrabalho, o que poderá vir a ter reflexos positivos no
futuro, em termos de ganhos de produtividade (melhor gestão do tempo), de
impacto ambiental (menos emissões associadas à mobilidade, otimização da gestão
dos transportes públicos, menor utilização do transporte individual) e
financeiros (menores custos de transporte) que daí podem advir.
Nesta
pandemia podemos constatar as desvantagens de uma sociedade globalizada no
modelo atual, que fragiliza a capacidade de resposta dos países dada a enorme
dependência de países terceiros para abastecimento, mas que abre a porta a um
melhor entendimento das vantagens de apostar de forma decisiva numa economia
circular de base mais local e regional. Temos agora uma noção mais clara da
nossa interconexão e da interdependência local, regional, nacional, europeia e
mundial que existe para resolvermos os problemas que iremos enfrentar. É
preciso rentabilizar o maior sentimento de comunidade e interajuda, onde muitas
pessoas se oferecem como voluntários ou começam a contactar com vizinhos com
quem antes nunca tinham comunicado ou sobre os quais pouco sabiam. Há assim uma
perspetiva reforçada de que todos temos importância na sociedade e todos
podemos contribuir para a resolução dos problemas.
Só precisamos que o poder político e cada um
de nós e a sociedade como um todo possa neste “intervalo forçado” descobrir
fontes de inspiração para agir.
Francisco Ferreira, professor universitário, Presidente da ZERO
(artigo publicado no Magazine Synapsis Primavera 2020)
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