Synapsis – 10 anos depois, e agora?! - João Coelho




Synapsis – 10 anos depois, e agora?!

                                                                                             
“ … a cultura não é um luxo de privilegiados, mas uma necessidade fundamental de todos os homens e de todas as comunidades. A cultura não existe para enfeitar a vida, mas sim para a transformar – para que o homem possa construir e construir-se em consciência, em verdade e liberdade e em justiça …”
Sophia de Mello Breyner Andresen
(Assembleia Constituinte, 1975)


No momento actual, em que a humanidade enfrenta um desafio global impensável, ninguém ousa fazer de sibila e o futuro não se revela. Temos arautos da desgraça que temem que o mundo nos caia em cima, e temos outros que defendem que o momento nos obrigará a rever as nossas prioridades, os nossos comportamentos e os nossos valores, e depois teremos um mundo melhor. Que é o próprio mundo que nos lança um aviso, sério, para que tenhamos juízo!

Nota-se, e é provável que esse sentimento venha a crescer, uma inquietude, um assombro, que se reflecte em todos os olhares. O mundo tornou-se inamistoso. E o outro é, agora, sem excepções, o inimigo. Dele pode vir o mal, que não se vê, nem se sente, não se cheira, nem se pressente! E por isso mais temeroso é. Como se estivéssemos todos, novamente crianças, desamparadas, no escuro, sem orientação, sem saber para onde devemos ir, mas também não querendo ficar onde estamos.

Que efeito pode ter em nós esta situação inquietante? Revelará de bom alguns, de mau outros e, provavelmente, de egoísmo em muitos mais. Mais urgente e importante se torna assim, no futuro, a prática de uma cidadania activa, responsável e solidária.

A cidadania, potenciando a necessidade de reflexão sobre os problemas sentidos por cada um e pela sociedade, deve traduzir-se em atitudes e comportamentos, em valores que se partilham, difundem e se defendem. Em querer intervir, de forma consistente e consciente, para bem da comunidade, procurando o bem-estar geral mais do que o bem individual. Parece fácil, parece utópico, e não é fácil, mas é utópico. Mas o Synapsis também é uma utopia!

Ao longo dos 10 anos já decorridos, num exercício pleno de cidadania, inúmeros foram os eventos culturais proporcionados à comunidade de Setúbal pelo Synapsis.

A cultura, através da arte, faz de nós únicos, seja quando a fazemos, seja quando a fruímos. A arte tem o poder extremo de nos puxar para fora dos nossos agrestes caminhos, das estreitas veredas que percorremos, acorrentados aos problemas e minudências da vivência diária. A arte tem a ousadia de nos mostrar que existem outros universos, outras ideias, outros sons e silêncios e permite-nos ir além do óbvio, da mensagem imediata, levando-nos a procurar captar outros sentidos, outros pontos de vista, que nos enriquecem.

O Synapsis tem providenciado as suas múltiplas actividades culturais (exposições, concertos, caminhadas…), de forma graciosa, sem consideração de qualquer ganho económico, contando apenas com a colaboração dos seus parceiros institucionais (CMS, MAEDS e LASA).

Podemos questionar-nos, e perguntar porque o faz, e se vale a pena?
Passando do cliché óbvio, não é tão óbvia a resposta. Muitas pessoas foram envolvidas e assistiram, formaram opinião, vivenciaram emoções, e partilharam opiniões e até sorrisos, mas, afinal o que fica? Sabemos verdadeiramente que impacto tiveram? Até dos Synapsianos quantos ainda se identificam com o que foi feito? Quantos estão, hoje, menos motivados, menos empenhados, menos crédulos nesta utopia?

No Synapsis existe gente talentosa, com projectos culturais e artísticos individuais interessantes.
A originalidade do conceito, as pessoas, o envolvimento artístico e o desafio e, sobretudo, a amizade, geraram um movimento que já dura há 10 anos. O nome Synapsis tem, hoje, um significado. Mas de que forma pode o Synapsis, como grupo, continuar a mobilizar os seus membros em iniciativas futuras, quando o tempo de todos, é sempre tão escasso e o entusiasmo esmorece?

Talvez continuar a acreditar numa ideia, num sentido para o que se faz, num propósito de contribuir para melhorar a sociedade. Quando todos pedimos um mundo menos egoísta, que tal começar por nós?

Faremos a diferença no mundo?
Penso que a pergunta mais pertinente não é esta, mas, sim, se queremos continuar a aplicar-nos em tentar fazer alguma diferença? Se desistirmos, perderemos todos!

João Coelho, membro do Synapsis

(artigo publicado no Magazine Synapsis Primavera 2020)

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