No dia em que a minha amada me deixou - Leandro de Viso
No dia em que a minha amada me deixou
No dia em que a minha amada me deixou
No dia em que a minha amada me deixou
- A minha
mais que tudo, a suprema utopia
Que em
sonhos me fora prometida -
Levei o
carro a uma lavagem automática
Para
remover a sujidade acumulada.
Triste
tarefa para quem tanta sofria
Mas a vida
é assim mesmo
E, afinal,
o carro estava imundo, sujíssimo!
No dia em
que a minha amada me deixou
- Na
precisa hora em que me dava a notícia
No momento
em que aqueles lábios de anjo
Me
condenavam às penas do inferno -
Ocorreu-me
que não levara o carro à lavagem
Que a
sujidade já cobria toda a superfície da chaparia
E lambia a
vidraça frontal, dificultando a visão
No vidro de
trás, já alguém garatujara “Lava-me Porco!”
No dia em
que a minha amada me deixou
- A minha dilecta,
mil vezes idealizada no altar
Prometida
que me fora em tantos êxtases de amor -
Aspirei a
alcatifa do meu carro
Dei com o
pano do pó no tablier
E aspergi
as vidraças com limpa-vidros
O “Lava-me
Porco” saiu
E um brilho
cintilante tomou conta do meu carro.
Leandro de Viso - 2007
Leandro
de Viso foi repórter de guerra, tendo cobrido, entre outros, os conflitos do
Kosovo, Bósnia e Iraque. É natural de Setúbal, mas vive em Barcelona, onde
trabalha como freelancer para jornais e revistas catalãs. Esteve ligado,
na juventude, a movimentos ambientalistas, sendo um acérrimo opositor da
proliferação da indústria pesada e altamente poluente concentrada no que
considera os “santuários do Sado e Arrábida”. Crítico das políticas de
urbanismo que descaracterizam as cidades, considera, sem ironia, Setúbal como
um caso exemplar relativamente às escolhas estéticas que ornamentam rotundas e
praças da cidade. Sarcástico e crítico, estende essas características aos seus
trabalhos fotográficos e à poesia, que, agora, se apresenta.
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