A cultura como um bálsamo pacificador - Isabel Melo
Viver e conviver com a cultura torna-se
viciante. Precisamos dela como um alimento para o nosso discernimento e
bem-estar, para o nosso enriquecimento, para a nossa plenitude.
E, a bem da cultura, fazemos o impensável! Dei
por mim a assistir a um concerto de ópera com Carlos Guilherme, às onze horas
de uma manhã solarenga. Isto, simplesmente porque a alternativa era não haver
concerto.
Nestes tempos de pandemia, quem tenha a necessidade
da cultura, ou se tenha agarrado a ela como uma amiga no seu confinamento, não
sofreu tanto constrangimento no medo ou na solidão. E ao longo dos meses
verificaram-se várias formas de ultrapassar a inexistência das várias
manifestações culturais, descobrindo ou inventando novos conceitos, novas
sinergias, necessidades e muitas adaptações.
Entoaram-se fados, música instrumental ou mesmo
música clássica das varandas, das praças ou carros, improvisando palcos e
gerando plateias. Surgiram as plataformas digitais e, também aqui, uma nova
terminologia como o streaming se desenvolveu, sendo possível assistir
aos concertos “Promenade 2020”, célebres “BBC Proms”, directamente do Royal
Albert Hall, durante horas seguidas. Podemos, agora de forma regular, assistir
a concertos da orquestra Gulbenkian, do Teatro Nacional de São Carlos, ou de outras
orquestras, coros amadores ou profissionais, mas, também, adaptações de várias
companhias de teatro. Temos circunstâncias completamente diferentes, é um
facto, mas o interesse e a alegria pelos eventos continuou.
A cultura provou bem que é dinâmica e, aqui, a
mudança, ao contrário do que comumente acontece, não só não ofereceu qualquer
resistência, como mostrou aceitação e adaptação aos novos paradigmas.
Também as novas exigências fizeram nascer ou
expandir os blogues, entre eles o blogue Synapsis, unindo os sequiosos da
cultura, seja ao nível da poesia, textos poéticos ou de reflexão, exposições,
pintura, escultura ou fotografia. Vi associações culturais, bibliotecas ou
igrejas fazerem as devidas adaptações face às contingências sanitárias, a fim
de a promoverem. E funcionou e as pessoas uniram-se à volta desse bem-estar,
contribuindo um pouco mais para o seu índice de felicidade.
Foi neste contexto que, no âmbito do 268.º Aniversário
de Luísa Todi, vulto setubalense, que foi a cantora lírica portuguesa mais
célebre de todos os tempos e grande diva da ópera mundial, se deslocou o tenor
Carlos Guilherme ao Convento de Jesus, fazendo da igreja palco para um belo
recital no passado dia 9 de Janeiro, pelas onze horas da manhã. Qualquer
resistência a priori sentida, para um horário matinal desse tipo de
espectáculo, foi de imediato dissipada, após se assistir à primeira ária. E, no
final, saímos leves, com vozes de esperança no ouvido e certos apenas de que
ouvimos ópera. Nesse dia, converti o almoço numa suposta agradável ceia pós
ópera, com a vantagem de ainda me sobrar uma tarde de sol.
Na cultura não existem assintomáticos, vejo
sempre sintomas, seja de regozijo, de negação ou de inquietude. E, muitas vezes,
a cultura é a própria terapia, como que o bálsamo de pacificação, perante
qualquer momento de imprevista ansiedade.
Isabel Melo
Gostei muito do texto.
ResponderEliminarA cultura, de facto, é uma forma de preencher a vida.
Um privilégio vindo de ti, Diná.
EliminarParabéns pelo artigo. Bem pertinente.
ResponderEliminarMuito obrigada meu amigo. Que grande incentivo.
EliminarParabéns pelo artigo. Bem pertinente.
ResponderEliminarO antigo Professor de Matemática Carlos Guilherme é um português especial (embora nascido em Moçambique), como pessoa e como profissional. Com um percurso de cantor lírico invejável, faz-nos imaginar se tivesse nascido em Itália ou em Espanha, por exemplo, qual mais longe teria ido. Tenho vários CDs dele, que teve a coragem de gravar as mais variadas tendências da música portuguesa. Tinha ideia que era mais novo, mas isso pouco importa, o talento e a magia continuam com ele. Sou muito amigo da Anabela Pires, que gravou trabalhos com ele. Vem isto a propósito do texto da Isabel, o qual tive de ler e reler algumas vezes porque de cada vez que o lia mais alento ganhava para ter a esperança de que vamos ultrapassar este sonho mau e a cultura vai voltar em toda a sua plenitude (aproveitei para ouvir neste momento um dos CDs do Carlos Guilherme).
ResponderEliminarSobre a foto do João Completo, só consigo comentar que é uma das melhores fotos que já publicámos neste blog. Parabéns a ambos e a todos os que acarinham o Synapsis e o seu blog.
Muito obrigada Alex, vindo de uma pessoa com a tua quota parte na cultura, é mesmo um grande incentivo. Concordo contigo em tudo o que toca ao Carlos Guilherme, pois é um cantor de excelência.
EliminarLI E ADOREI. PREENCHE ME A ALMA E SEMSIBILIZOU-ME. MUITO OBRIGADO ISABEL.
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