Sair do Labirinto - Adérito Vilares

 

Há urgências que não podem esperar. E que se tornam exasperantes quando os esforços feitos para lhes pôr cobro demoram a surtir efeito.

O rei Minos, senhor de Creta, conservava uma criatura desconforme (Minotauro) de guarda a um labirinto, do qual ninguém conseguiria libertar-se se acaso o arrojo e o atrevimento lá pudessem conduzir qualquer aventureiro.

Tão problemática se mostrava também a manutenção do monstruoso zelador da encruzilhada devido à sua peculiar alimentação. De nove em nove anos, tinha de se revigorar consumindo carne humana de cidadãos de Atenas, os seus figadais inimigos.

Cansado de ver os seus compatriotas a servirem de repasto a tão abominável figura, Teseu, filho do rei de Atenas, disponibilizou-se para enfrentar o Minotauro, prometendo, inclusive, matá-lo, libertando o seu povo daquela contínua ameaça.

Ariadne, filha do Rei Minos, mas perdidamente apaixonada por Teseu, propôs-se ajudar o seu amado, oferecendo-lhe um novelo que desenrolaria à medida que se aventurasse no labirinto, para tornar efectivo o seu épico propósito, e que lhe permitiria encetar o caminho de regresso sem grandes preocupações.

Bem sucedido, Teseu acabaria por manifestar a sua ingratidão perante a prova suprema de dedicação de Ariadne, abandonando-a na ilha de Naxos, para onde haviam fugido.

Cativa de um tipo de assombração virulenta, a espécie humana tenta, há cerca de um ano, libertar-se de um labirinto para onde foi lançada, dividindo-se entre múltiplas estratégias, prosseguindo por caminhos sinuosos, enganadores, ladeados por exércitos de surdos que denegam a existência de qualquer ameaça e que suscitam o baixar da guarda perante o invisível, mas sempre presente inimigo.

Indiferentes à ladainha negacionista, os investigadores travaram uma batalha laboriosa contra o tempo e desenrolaram um novelo de conhecimento e afirmação científica que redundou na criação de vários modelos de vacina.

Há um caminho de regresso a um passado de normalidade que se iniciou, mas que se demora na fronteira entre a vontade de que tudo dê certo e o manancial de dúvidas que ocorre em espíritos mais cépticos. O capital de destruição efectivado é enorme. Em termos pessoais e sociais. É crucial que ninguém fique abandonado à sua sorte ou que possa ser deixado para trás.

É urgente aproximarmo-nos da porta de saída do labirinto. No novo ano que agora se inicia apressemos os passos e cavalguemos a esperança de que a aniquilação da ameaça se concretizará rapidamente. Para podermos voltar a voar, para podermos voltar a sorrir, para podermos voltar a viver.


Adérito Vilares




Pintura de Eduardo Carqueijeiro

Comentários

  1. Texto muito ilustrativo e adequado ao momento virulento. Belas pinturas de uma das grandes exposições de Eduardo Carqueijeiro! Parabéns a ambos!

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  2. Incrivelmente actual. Muitos parabéns pelo post.

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  3. Grande pintor dos temas eruditos....fugindo à banalidade !!!

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