A poesia e a árvore entrelaçadas - Texto de Isabel Melo - Fotografias de Francisco Borba

 

Árvore e poesia têm coexistido lado a lado ao longo da civilização e da história do homem. Numa simbiose perfeita aparece a árvore em lendas, alegorias e poemas, já desde a Antiguidade Clássica, em poetas como Virgílio e Homero. A própria história das religiões assenta a sua génese sobre uma árvore, caso da árvore da ciência da vida e do fruto proibido de Adão e Eva, bem como as árvores veneradas na Sibéria e México que deram origem à humanidade, ou a palmeira que Maomé pedia para tomarem “como se fosse a irmã do nosso pai” e a árvore, debaixo da qual, Buda se tornou iluminado.

Quantas vezes os troncos das árvores deram origem ao tronco de um poema e quantas vezes as suas folhas saltaram para as folhas de papel, adornando poemas com as suas flores e frutos. Foi o caso de Eugénio de Andrade que, em sentido mítico, convocou a Odisseia de Homero “Como a palmeira jovem/que Ulisses viu em Delos, assim/esbelto era o dia/em que te encontrei” e que foi personificando na sua obras as diversas “Árvores, flores e frutos”. Em Frei Agostinho da Cruz, a serra da Arrábida com as suas árvores e restante natureza tomam uma dimensão mística “Os olhos meus dali dependurados/Pergunto ó Mar, às plantas, ós penedos/Como quando, por quem foram criados”. Do mesmo modo, Sebastião da Gama para o Absoluto tomou a Serra-Mãe “Ó Fonte de Pureza!/Ó minha/ Serra toda pintada de esperança/”.

Quantas vezes a seiva das árvores escorreu para a poesia e nela se transformou em lágrimas ou lamentos de estados d`alma. Caso do Cancioneiro Popular, em que foi cantado o Amor “No tronco da verde faia/o teu nome fui gravar/A mesma faia chorou/Só de me ver suspirar” ou em Daniel Faria “Como doem as árvores/Quando vem a Primavera/E os amigos que ainda estão de pé/”. Também Florbela Espanca na “Charneca em flor”, que tanto desabafou seus sentimentos sob as suas copas “Árvores! Corações, almas que choram,/Almas iguais à minha, almas que imploram/”.

Quantas vezes foram as árvores companheiras do tempo e do destino da existência, desde logo em Fernando Pessoa “Segue o teu destino,/Rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas./O resto é a sombra/De Árvores alheias/”, ou companheiras na alegria e na longevidade como em Olavo Bilac “Envelheçamos rindo, Envelheçamos/Como as árvores fortes envelhecem,/Na glória de alegria e da bondade/”.

Quantas vezes essas musas inspiradoras que são as árvores, sopraram da floresta um livro de poemas, caso da Antologia “Poesia da Árvore”. De cada árvore, surgiu um poema de cada poeta, como D. Dinis, Camões, Frei Agostinho da Cruz, Teixeira de Pascoaes, Marquesa de Alorna, Guerra Junqueiro, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Miguel Torga, Sebastião da Gama, Francisco Bugalho, entre outros. Também António Correia de Oliveira, como muitos outros Poetas, aí cantou o amor pelas Árvores, como se de uma Mãe se tratasse…

 

Isabel Melo

 

MÃE

 

Olha, meu Filho! quando, à aragem fria

D’algum torvo crepúsculo, encontrares

Uma árvore velhinha, em modo e em ares

De abandono e outonal melancolia:

 

Não passa junto d’ela, nesse dia

E nessa hora de bênçãos, sem parares;

Não vás, sem longamente a contemplares:

Vida cansada, trémula e sombria!

 

Já foi nova e floriu, entre esplendores:

Talvez, em derredor, dos seus amores

Inda haja filhos que lhe queiram bem...

 

Ama-a, respeita-a, ampara-a na velhice;

Sorri-lhe com bondade e meiguice:

--Lembra-te, ao vê-la, a tua própria Mãe!

 

António Correia de Oliveira



Arrábida - Francisco Borba








Comentários

  1. Texto muito bem conseguido, com boas entradas para uma visão da fusão entre a poesia e essa entidade vegetal simbólica e extraordinária que é a árvore. Fotografias bem escolhidas, com o olhar inconfundível de um grande fotógrafo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada, Salvador! Esta opinião é um grande incentivo. Concordo que temos fotografias sensacionais do grande fotógrafo Francisco Borba.

      Eliminar
  2. Uma autêntica ode às Árvores, esses seres mágicos que nos contemplam quando os seus troncos se agarram á Terra-Mãe e os seus ramos e folhas baloiçam ao vento como se falassem com o Homem, infelizmente o ser que as mais ameaça e destrói... incrível texto, bem documentado e enriquecido com os nossos melhores poetas... até eu sinto vontade de dedicar algo a estes Seres. Tenho-o feito muito em fotografias mas estas do Francisco Borba são a simbiose perfeita para um post perfeito. Parabéns a ambos.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Arrábida olhos nos olhos

Uma aguarela na Praça de Bocage - Fixando a transitoriedade do tempo

Na alva bruma da Herdade de Gâmbia