Somos felizes? - João Coelho

 

Somos felizes?

 

(reflexão a propósito do dia internacional da Felicidade - 20 março)

 

Nos tempos da nossa juventude, tempos de entusiasmos simples e empenhos arrojados, era fácil fumar um cigarro e achar que o mundo nos pertencia.

Entretanto, inevitavelmente, crescemos, …e agora já o sabemos, o mundo não nos pertence, nem particularmente nos estima, apenas nos tolera! Nem sempre de bom humor, e com razão.

Porque somos caprichosos e egoístas, poluímos, gastamos e desperdiçamos de forma atroz, os recursos que tão generosamente são postos à nossa disposição.

Pensamos também que evoluímos muito, desde esses tempos da nossa juventude, porque temos tecnologia, temos internet, temos redes sociais, viajamos por todo o planeta, e também porque compramos tudo, e muito, de forma fácil e preço reduzido, ao simples alcance de um clique.

Hoje, temos centenas, talvez até milhares de amigos!

Falam para nós e somos ouvidos. Sorrimos, e recebemos sorrisos de volta!

Partilhamos e devolvem-nos em dobro. Admiramos, e somos admirados!

Não é este um mundo perfeito, ou o mais perfeito que já existiu?

Porque razão então não somos felizes? Ou pelo menos mais felizes do que os que viveram antes de nós?

O que nos falta? Ou o que temos a mais?

Crise de valores ou de identidade?

Porque nunca a insatisfação, e a procura de um sentido para a vida terá sido, pelo menos de forma tão generalizada, e até democrática, tão forte. Ambicionamos dotar as nossas vidas de significado, e vivê-las com intensidade, com a ambição de, tal como Pablo Neruda, afirmar um dia “Confesso que vivi”.

No entanto, do abundante conhecimento actualmente disponível, que poderíamos utilizar activamente para tentar ajudar a mudar o mundo, o nosso pequeno mundo, muitas vezes apenas nos fica a informação, listada e prioritizada atabalhoadamente, de forma acrítica e tendenciosa.  

Pouco reflectimos, discutimos e formamos opinião, porque não temos tempo!

Ainda nos falta a sabedoria, que nos coloque a utilizar o nosso tempo de forma sensata e compensadora.  Porque o lúdico, o simples, e o neutro, parece imperar na maioria das nossas escolhas. Sabemos isso, e não ficamos felizes!

Também neste mundo tão povoado e ruidoso, estamos a reduzir assustadoramente a nossa capacidade de empatia e solidariedade pelos outros e a perder muita capacidade, essencial, de convivermos connosco próprios, e com os nossos silêncios e amuos.

Por isso me interrogo, somos felizes ou pelo menos mais felizes do que os que viveram antes de nós?

 

João Coelho





Comentários

  1. Muito bom, João Lopes Coelho! Muitos parabéns! É fácil rever-me e concordar em quase tudo. Populismos, o políticamente correcto e a falta de opinião sustentada correndo atrás do fácil, deixam-nos um vazio. E esse vazio também pode levar à infelicidade. E quanto poderia o mundo ser melhor, se fôssemos mais felizes.

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  2. Só de ler o texto se fica de certo modo feliz... e isto porque ele resume tudo o que se passa neste momento, é uma análise psicossociológica atenta e assertiva. Um texto que nos deixa com vontade de voltar a ler porque a felicidade também ´é feita de curiosidades e pensamentos. Muitos parabéns pela feliz escrita e até chamada de atenção aos que andam distraídos... grande abraçooo.

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  3. Bom texto, João. Um bom ponto de partida para uma reflexão que nunca se esgotará nem encontrará resposta definitiva enquanto houver um ser vivente e pensante.
    Fixo-me na frase final da tua crónica: “Por isso me interrogo, somos felizes ou pelo menos mais felizes do que os que viveram antes de nós?”
    Se já parece irrealizável resolvermos a interrogação se “somos felizes” no plano individual, a coisa torna-se ainda mais complexa quando passamos do “eu” para o “nós”. No “eu”, há um monólogo que pode, apesar de tudo, alimentar o nosso anseio de nos conhecermos; no “nós”, entramos na pura abstração, numa singularidade semântica onde se desfaz qualquer hipótese de sentido.

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  4. Faltou assinar o comentário anterior. Salvador Peres

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  5. Belo texto o do João! E eu que tendo sempre mais para os epicuristas do que para os aristotélicos, diria que a felicidade está demasiado sobrevalorizada nos nossos tempos. As célebres receitas da Arte da Felicidade dizem-nos afinal que para sermos felizes basta encontrar o equilíbrio entre o que nos dá prazer e o que nos provoca dor, procurando uma vida simples e de serenidade. Quem disse que era fácil?

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  6. Bom texto, João...a felicidade !!! Vida mais acelerada....a tecnologia abre-nos horizontes...facilita nos os acessos ao saber...!!! e remetendo me ao teu texto, concordo em pleno, quando referes," ainda nos falta a sabedoria que nos coloque a utilizar o nosso tempo de forma sensata e compensadora... porque .... pouco discutimos, refletimos e formamos opinião ....porque não temos tempo !!!! É pela certa aí que está o começo, e aos equilíbrios necessários que a Elisabete refere.....e não são fáceis de certeza !!!!

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  7. Também felicitar o Alex Gandum....pela luminosa, quase misteriosa e resplandecente foto que só "os fotógrafos " sabem fazer. Parabéns Alex !!!!

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