Tempo - Fernando Antunes
Tarde
noite dia.
Não sei.
Cansei-me de ser nada.
Perdi-me na dimensão do tempo.
Os
sentimentos têm uma abrangência difícil de gerir. Há-os ligeiros que, sendo
bons, o tempo os leva rapidamente para uma qualquer gaveta de recordações. Se
são incomodativos, o tempo se encarrega de os varrer de forma total e
permanente do nosso dia a dia.
Uma relação social ou profissional facilmente a memória arquiva se era boa e acabou; ou, pelo contrário, a extingue definitivamente, sem deixar rasto, se era incómoda ou simplesmente inócua. Quer tenham sido registadas ou expulsas, não deixam marcas, é possível continuar a movimentarmo-nos nas mesmas situações com uma ausência interior, estando não estando. Onde estávamos por inteiro, agora será apenas um lugar onde agimos sem sermos. Apenas um corpo, uma mente que trabalha, sorri ou debita frases circunstanciais. É como se desaparecêssemos e, no entanto, estamos ali. Ausentes na nossa presença.
E voltamos a existir num qualquer novo cenário que, esse sim, nos absorve por inteiro. Complicado o tempo. Sedutor. Instiga um sentimento de ausência e logo depois novo envolvimento com o quotidiano.
Há, porém, sentimentos que quando postos em causa nos magoam profundamente. Nesses, o sistema é bem mais complicado. A porta fecha-se hermeticamente, qual parede de betão sem possibilidade alguma de voltar a ser uma porta. Sem retorno de ser no nosso ser. Mas, nas profundezas do nosso eu, num lugar que até talvez não saibamos que existe, é guardado o filme desses mesmos sentimentos que a memória por vezes consegue desenterrar, lembrando-nos que existiram.
O certo é que qualquer momento é único. Nunca se repete e por isso é inoportuno dizer que este momento é inútil. Bom ou mau. Ele é irrepetível. Por isso não se deve dar muita importância a essa coisa do bom ou mau. São momentos para serem vividos e é tudo. Seja o frenesi num trabalho que teima em não terminar ou a preguiça gostosa de num dia de Verão, numa qualquer praia deserta.
Para mim, tenho por verdadeiro que o tempo está dentro de nós desde que chegamos a este mundo, qual programa com tempo certo para se ir desenrolando.
Fernando
Antunes
A melhor definição/dissertação sobre o Tempo que já li... porque faz pensar e reler e voltar a ler... que texto fantástico. parabéns, Fernando Antunes.
ResponderEliminar0brigado pelas suas palavras
EliminarQuanto à "Ponte" do Alexandre Murtinheira, é uma verdadeira ponte para a qualidade fotográfica. Abraço ao Alexandre.
ResponderEliminarObrigado pelas suas palavras
EliminarO tempo, essa “entidade” que nos acompanha (ou acompanhamos), numa bem interessante reflexão!
ResponderEliminarBelas e profundas palavras sobre o tempo. O autor reflectiu e leva o leitor a fazer o mesmo.
ResponderEliminarObrigado Diná
EliminarBonita fotografia das paisagens luxuriantes do nosso país
ResponderEliminarPalavras sábias, as do Fernando Antunes, sobre uma temática que não pára de nos convocar.
ResponderEliminarObrigado, Salvador
EliminarA beleza serena da fotografia do Alexandre esconde um olhar em busca das essências. "Do outro lado" é o lugar que buscamos, também na fotografia.
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