Dia Mundial da Língua Portuguesa

 5 de maio – Dia Mundial da Língua Portuguesa

Fátima Ribeiro de Medeiros*

 

Todos os dias são um bom dia para celebrar alguma coisa. Hoje, 5 de maio, comemora-se em todo o universo lusófono e um pouco por tudo o mundo o Dia Mundial da Língua Portuguesa. Evocado por alguns desde 2009, só em 2019 foi reconhecido e ratificado pela UNESCO. Pretende lembrar que, de entre vários fatores e símbolos, também a língua em que nos expressamos nos une enquanto comunidade.

Muitos escritores têm inscrito na sua obra o seu ensejo de afirmação do simbolismo da língua portuguesa e das suas palavras, valorizando o seu poder identitário, que tem dimensão global, já que a língua portuguesa é falada em todos os continentes. Escreveu Fernando Pessoa: “Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. […] Odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita.” [Livro(s) do Desassossego. Ed. Teresa Rita Lopes, Global].

Vergílio Ferreira acrescenta-lhe outra tonalidade: “Da minha língua vê-se o mar” [“A Voz do Mar”, Espaço do Invisível, Bertrand], reforçando a invocação identitária. Refletindo poeticamente sobre a questão, “sou de uma vaga pátria carinhosa”, José Afonso reconhece que as palavras “quando dispersas levantam rumos vários” [“As palavras”, Textos e Canções, Relógio d´Água]. Reforçando os sentimentos de afetividade incluídos no sentido de pertença a uma língua, Eugénio de Andrade afirma “Com palavras amo.” [“Cristalizações”, Ostinato Rigore, Limiar].

Podia ficar aqui convocando autor após autor, já que muitos são os que têm escrito sobre a língua portuguesa e as suas palavras, mas deixo-vos com o poema “A língua portuguesa” [“Exílio”, Oferenda, INCM], de Alberto de Lacerda, poeta português nascido na Ilha de Moçambique (1928) que faleceu em Londres (2007), depois de ter vivido em Lisboa, em Austin e Boston (EUA) e no Brasil, sendo ele próprio o exemplo de que a pertença a uma comunidade é muito mais do que a partilha de alguns palmos de terra:

 

A LÍNGUA PORTUGUESA

Esta língua que eu amo

Com seu bárbaro lanho

Seu mel

Seu helénico sal

E azeitona

Esta limpidez

Que se nimba

De surda

Quanta vez

Esta maravilha

Assassinadíssima

Por quase todos os que a falam

Este requebro

Esta ânfora

Cantante

Esta máscula espada

Graciosíssima

Capaz de brandir os caminhos todos

De todos os ares

De todas as danças

Esta voz

Esta língua

Soberba

Capaz de todas as cores

Todos os riscos

De expressão

(E ganha sempre a partida)

Esta língua portuguesa

Capaz de tudo

Como uma mulher realmente

Apaixonada

Esta língua

É minha Índia constante

Minha núpcia ininterrupta

Meu amor para sempre

Minha libertinagem

Minha eterna

Virgindade.

 

* IELT, NOVA – FCSH


Alberto de Lacerda


Comentários

  1. Obrigado à Synapsis por me ensinar que hoje é dia da língua portuguesa. O belíssimo poema de Alberto Lacerda é uma mão a afagar a nossa língua.

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  2. Costumo dizer que temos a Língua mais bonita do Mundo, a melhor Música do Mundo e vivemos no melhor país do Mundo... pena que alguns queiram dar cabo dele. Muitos parabéns à Fátima Ribeiro de Medeiros, a Roberto de Lacerda e à grande foto do Carlos Medeiros na capa do blog.

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