Os Cinco Sentidos - A Visão
Com três letras se escreve ver
“Nunca reparaste que há certas coisas que nós já vimos muitas vezes e que de vez em quando é como se fosse a primeira?” A pergunta salta de um conto de Vergílio Ferreira e não nos deixa surpreendidos. A chamada de atenção não é apenas retórica, é um aviso cheio de candura, como se nos levasse à descoberta das nossas falhas, porque “o pior da vida é (...) olharmos o mundo em redor e não o vermos”, escreveu Alice Brito.
Ver é: perceber ou conhecer por meio dos olhos, contemplar, observar, presenciar, reparar, notar, ponderar, imaginar, conhecer. Sinónimos vários, colhidos no armazém de todas as palavras, o dicionário. Falamos só de “ver”, sem mais, isto é, sem ligações de contextos outros que permitam as expressões idiomáticas — e “ver” está presente em muitas delas, nem vale a pena exemplificar.
Ver, pois. Sublime sentido, muitas vezes reforçado - “ver com olhos de ver”, afinal uma chamada de atenção porque, muitas vezes, não vemos, mesmo que os olhos estejam abertos e direccionados para. Ver exige ponderação conjugada com os sentidos - daí que “reparar”, como outra forma de dizer, exija mais da atenção: não basta a ausência de velocidade ou de movimento, é necessário que o pensamento também se canalize para o que exige que paremos.
Ver, o quê? O outro, o mundo à nossa volta, o ponto (ou ponte) que somos, três segmentos de um mesmo triângulo. Ver, o quê? Ao longe, a utopia, sempre como um destino que está além da próxima paragem... a utopia vista, porque desejada, parecendo estar algures, a chamar para que seja notada, para que nela se viva.
Ver é a segunda sílaba de “viver”. Integra a vida, obriga a vida. Do microscópico ao descomunal tamanho, há um reino de dimensões e de volumes que o ver transforma em agrado ou decepção. Ver é essencial, pois. Ver anula a indiferença, que é dos maiores pecados do viver (ou do não-viver?). Ver permite pensar, algo que é inviolável, que exige a intolerância para que o pensamento seja livre, para se poder alargar o mundo das ideias e dos veres que co-existem. E temos de lembrar José Saramago, quando avisa que “o mundo de cada um é os olhos que tem.” Por outras palavras o diz Valter Hugo Mãe: “o que se vê é o que se pensa.”
Ver exige de nós, num permanente apelo que vai muito além dos sentidos, que nos desafia a imaginar o futuro, a prever - outra vez, a segunda sílaba...
A importância das palavras não se mede pelo número de sons que as constituem - e todos conhecemos a quantidade de palavras com três sons, com três letras, que fazem parte do nosso quadro de coisas essenciais e de valores, determinantes para o nosso viver - e vem-nos à memória o verso estafado, mas quase anunciador de prenhes verdades: “com três letrinhas apenas...” Uma delas é “ver”; as outras... veja cada um as que fazem sentido na vida.
Proveniência das citações:
Alice Brito. As mulheres da Fonte Nova (2012) // José Saramago. Memorial do Convento (1982) // Valter Hugo Mãe. Contra Mim (2020) // Vergílio Ferreira. Contos (1976)
Nota: Excerto da Edição Especial de Aniversário do Magazine Synapsis
Texto de João Reis Ribeiro
Imagem: Hieronymus Bosch
Synapsis: Um espaço de expressão artística afinado pelo diapasão da liberdade
NO CENTENÁRIO DE SEBASTIÃO DA GAMA
Programação estende-se ao longo do ano
- 11 de Maio, durante o Encontro Poético organizado pela Casa da Poesia de Setúbal, apresentação da antologia "Entre a Poesia e a Vida - No Centenário de Sebastião da Gama", colecção de poemas da autoria de poetas associados da Casa da Poesia de Setúbal
... e ainda, porque um poeta faz-se de palavras que constroem poemas:
- em data a anunciar, apresentação da obra "Por mim fora", recolha antológica de 100 poemas de Sebastião da Gama, organizada por Ruy Ventura (pode ser feita a encomenda desde já através do email da editora officiumlectionis@gmail.com)
- em data a anunciar, apresentação da obra "O inquieto verbo do mar", poesia reunida de Sebastião da Gama, integrando toda a obra poética publicada e mais de 250 poemas inéditos, edição Assírio & Alvim / Porto Editora, organizada por João Reis Ribeiro
Era um murmúrio longo de ondas mansas…
Um cochichar de Estrelas curiosas…
Um concerto de grilos tresnoitados…
Mais presente que tudo, aquele enorme
silêncio religioso, imagem pura
dos ouvidos atentos do Poeta…”
(“Nocturno”, do livro “Cabo Boa
Esperança”)
Sebastião Artur Cardoso da Gama nasceu em Vila Nogueira de Azeitão a 10 de Abril de 1924 e morreu em Lisboa a 7 de Fevereiro de 1952, com 27 anos de idade, vítima de tuberculose óssea e de meningite renal.
A
sua vida foi breve, mas preenchida. Leu, viajou, leccionou e deixou uma obra de
grande importância no contexto da poesia moderna portuguesa. Os primeiros três
livros publicados foram de poesia: Serra-Mãe (1945), Cabo da Boa Esperança
(1947) e Campo Aberto (1951). Postumamente, foram publicadas as obras Pelo
sonho é que vamos (1953), Diário (1958), Itinerário paralelo (1967) e O segredo
é amar (1969). Sebastião da Gama licenciou-se em Filologia Românica na
Faculdade de Letras de Lisboa, em 1947. Foi professor em Lisboa, na Escola
Industrial e Comercial Veiga Beirão, em Setúbal, na Escola Industrial e Comercial (actual
Escola Secundária Sebastião da Gama) e, em Estremoz, na Escola
Industrial e Comercial local, cidade onde o seu nome ficaria mais tarde ligado
à actual Escola Básica (Escola Básica Sebastião da Gama EB2,3 Estremoz).
Synapsis: Um espaço de expressão artística afinado pelo diapasão da liberdade
OS SENTIDOS DA VIDA
"Quando viajamos, viajamos duas vezes, a viagem propriamente dita, e uma outra, a viagem sensorial, onde aguçamos os 5 sentidos. Não raras são as vezes em que, através do nosso primeiro sentido, a visão, queremos ver tudo, olhar para tudo, absorver todas as arquitecturas, linhas, formas, paisagens, cores e olhares, do que vemos e de quem nos vê, mesmo quando captadas a preto e branco, através de uma lente fotográfica."
Cuba, Havana.
Nota: Excerto da Edição Especial de Aniversário do Magazine Synapsis
Fotografias de Alberto Pereira
Synapsis: Um espaço de expressão artística afinado pelo diapasão da liberdade
CAMINHADA SYNAPSIS
Pelos caminhos do Vale da Vitória
Synapsis: Um espaço de expressão artística afinado pelo diapasão da liberdade
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FICHA TÉCNICA
Coordenação Editorial de Salvador Peres e José Alex Gandum
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