Por estes trilhos acima
A canção diz que "é madrugada, não importa,
neste silêncio há mais verdade...", e silêncio natural foi o que os
caminhantes madrugadores começaram por "ouvir" quando se meteram a
caminho depois de saírem dos denominados ferries, barcos que levam um pedaço da
cidade de Setúbal à outra banda do Rio Azul.
Nem quente nem fria, a manhã estava convidativa a
deambular pelas areias de Tróia, entre histórias e estórias do inevitável guia
Nuno David e o desencantar de vestígios de ostras e outros achados, que faziam
as delícias nas mãos e nos olhares dos caminhantes.
Enquanto houver caminho para ir andando, os
caminhantes foram continuando até desembocarem na parte sul da Caldeira de
Tróia, fenómeno geológico e hidrológico fundamental para preservar um
ecossistema único. Entre salicórnia e tomilho, para além de outros aromas,
passagem pelo pinhal e pelos areais brancos bordejados de vegetação
delicada.
A caminhada por Tróia, organizada pelo Synapsis,
não terminou sem um retemperador café, vários dedos de conversa e um
embarque em catamarã de volta à cidade grande... com o desejo de voltar um dia
para voltar a desfrutar dos ares paradisíacos da Península de Tróia.
José Alex Gandum
sYnapsis 2010-2024 - 14 anos ao serviço da cultura e da cidadania
OS CINCO SENTIDOS
TACTO
Que falta de tacto!
Importante, a sua falta. Até na linguagem comum. O tacto. O acto de
tocar, de sentir fisicamente, que se transporta também para a linguagem
metafórica. O tacto manifesta-se despudoradamente nas relações humanas, nas
suas mais variadas formas. No aperto de mão, sólido e solene, dos circunspectos
homens de negócios, ou leve e brincalhão, nos ritos de grupo e diversão dos
jovens. Nos cumprimentos familiares rotineiros, de partida e chegada, em que o
olhar e o sorriso emparceiram generosamente na ênfase e cor do momento. E até na quantidade de beijos que se trocam,
distinção cultural tola quando se pretende apenas uma presunçosa diferenciação
social.
Há povos extremamente sensíveis ao toque, uns que o evitam, como os
japoneses, outros que, inversamente, o procuram sofregamente, tal como os
portugueses e os espanhóis. Toca-se um bebé, com ternura e suave afago, toca-se
um amigo com um abraço apertado, e toca-se ardentemente o amante em apaixonado
amplexo.
Durante o período da recente pandemia tocar era quase proibido, pelas
suas possíveis consequências de contaminação, e temia-se pelo futuro, em que
nada voltaria a ser como antes. Que nos tornaríamos assépticos e impassivos,
perdendo a vontade de tocar, de sentir fisicamente. Mas não, essa vontade
esmoreceu apenas, nesse período sombrio, e renasceu depois, afortunadamente,
novamente vigorosa e apelativa. Afinal o
tacto, não só é essencial à nossa sobrevivência, pois por ele recebemos, na
pele, as sensações de dor, frio e calor, capacitando-nos a reagir adequadamente
às situações de ameaça que diariamente enfrentamos, mas é também,
fundamentalmente uma das nossas mais prazerosas formas de sentir. Do simples
abraço ou aperto de mão amigo, aos contactos intrincados dos jogos amorosos.
Antonio Canova / Louvre (Psyché
ranimée par le baiser de l'Amour)
Numa recente viagem a Paris impressionou-me, no metro, os avisos
frequentes, e regularmente emitidos, de que “podia haver carteiristas a
bordo”. E apesar dos avisos, sabemos
que continuam a ser roubadas carteiras! Parece que a explicação científica
passa pela nossa capacidade de sentir, e prioritizar o que tacteamos, ou que
nos toca. Nem todos os contactos são para nós conscientes, seria paralisante
termos de avaliar, a todo o momento, todos os estímulos externos recebidos,
incluindo os que nos chegam de outros sentidos, tais como o olhar ou ouvir, em
que também seleccionamos sem nos apercebermos. Se estivermos encostados no
metro, não pensamos no contacto normal que as nossas costas fazem com a parede
da carruagem. Por isso o carteirista, ou alguém por ele, provoca-nos um
contacto forte, pode ser um encontrão no ombro, e a nossa atenção centra-se
nesse toque anormal, “esquecendo” o contacto mais suave provocado pela
carteira a deslizar do nosso bolso. Sentimo-lo provavelmente, mas não o
prioritizamos, não o tornando consciente. Falta de tacto!
Nota: Texto publicado na Edição Especial de Aniversário do Magazine Synapsis
João Coelho
O Largo que já foi Passeio do Lago
O Largo José Afonso, pela sua feliz localização e longa história, deveria ser um dos polos mais qualificados da cidade de Setúbal. Infelizmente, não é. A despeito de um desajeitado auditório, sem graça nem préstimo, que lhe construíram junto ao belíssimo lago, que já deu nome ao Largo, o espaço continua a ser um depósito de eventos ruidosos e abarracados.
Não se compreende
que, tendo sido afastada dali a centenária Feira de Santiago, com o pretexto de
que não fazia mais sentido ter um empecilho ao trânsito e um arraial de
carroceis e barracas de bifanas e farturas num dos centros mais nobres da
cidade, se autorize, agora, que ali se realizem acontecimentos em tudo
idênticos aos da falecida Feira, que, entretanto, se mudou para as Manteigadas.
O Largo deve, hoje, o seu nome a uma figura maior da música moderna portuguesa, o cantor e compositor José Afonso. Mas teve, ao longo da sua história, outras designações. No século XIX, quando o Sado andava perto, havia um extenso areal, a Praia da Saúde, frequentado pelos setubalenses para se banharem nas águas frescas e límpidas do rio. Junto à praia desenvolvia-se um imenso e nobre espaço a que então se chamava Passeio do Lago, mais tarde denominado Parque das Escolas.
O Passeio do Lago
era um amplo e muito frequentado passeio público, ladeado por árvores
frondosas, concentrando a meio um refrescante lago com uma bela fonte
ornamental de onde jorrava a frescura da água. Os passeios públicos eram
espaços de convívio das gentes da cidade, que aproveitavam a frescura do
arvoredo e os murmúrios das águas das fontes para respirarem esses oásis de paz
tão necessários para se viver em harmonia com o bulício de uma grande cidade.
Américo Ribeiro, o notável fotógrafo setubalense, imortalizou em fotografia a
imagem idílica do lago e das áleas de arvoredo que o circundavam.
O Largo José Afonso merece ser olhado e tratado de outra maneira. É tempo de se pensar num aproveitamento mais digno para aquele espaço. É premente levar dali de vez eventos que nada trazem de benefício à cidade e dar ao Largo José Afonso a sua antiga e feliz vocação de passeio público, onde os setubalenses possam usufruir de um espaço saudável e harmonioso na vizinhança do seu Rio.
O Largo poderia
transformar-se num espaço de qualidade, respiração, lazer e fruição da cidade e
de quem a visita. Um lugar preparado para acolher pequenas manifestações
artísticas, onde artistas plásticos e músicos pudessem, em estreito contacto
com o público, mostrar a sua arte. Uma
zona de lazer para os visitantes e um parque lúdico para crianças. A criação de
uma paisagem imaginativa, interactiva e artisticamente trabalhada tornaria o
Largo num polo de atracção da urbe, dotando a cidade de uma centralidade que
não possui.
Fica o alerta e o desafio a quem de
direito.
Salvador Peres
Pianista Margarida Prates em S. Sebastião
Os Amigos da Paróquia de S. Sebastião organizam o concerto com a pianista
Margarida Prates, que se realiza na Igreja de S. Sebastião, no dia 25
de Maio pelas 18h30m.
A pianista, que tem recebido os melhores elogios da crítica, apresenta um
consolidado percurso na área da música e da investigação museológica, o que a
levou a ser convidada pela RTP/Antena2, para produzir diferentes programas
radiofónicos, dedicados a diferentes temas. Também Margarida Prates se
apresentou a solo, a partir do Teatro Turim para o Ciclo de Música MIMA, música
escrita por mulheres, tocada por todos.
Os bilhetes podem ser reservados através do telefone 919 521 778.
FICHA TÉCNICA
Coordenação Editorial de Salvador Peres e José Alex Gandum
Textos de João Coelho, José Alex Gandum e Salvador Peres
Imagens de João Coelho, José Alex Gandum e Salvador Peres
Edição de Salvador Peres
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